O desafio do lúpus na gestação

O desafio do lúpus na gestação

💠 Quando o corpo ataca o próprio milagre: a história de Lúcia e o lúpus na gravidez

“Doutor… meu rosto inchou de novo.”

Foi a primeira frase que Lúcia disse naquela manhã. Ela estava na 31ª semana de gestação. Segunda gravidez. Mãe de um menino de 4 anos. Portadora de lúpus eritematoso sistêmico desde os 17. E agora… o rosto inchado, as juntas doendo, a urina escura, o bebê mexendo menos. Ela entrou no consultório com passos lentos, as mãos cobrindo a barriga, como se tentasse proteger os dois: o filho… e o corpo que já não confiava tanto.


🧬 O lúpus é traiçoeiro. Principalmente com mulheres como ela.

Lúcia estava em remissão havia quase um ano. Tomava hidroxicloroquina certinho, seguia todos os controles. “Essa gestação vai ser diferente”, dizia ela no início. Mas aí veio o cansaço extremo. A dor nas costas que não passava. E aquela sensação de estar “doendo por dentro”. O obstetra pediu exames. O doppler estava alterado. O líquido amniótico, diminuído. E os anticorpos… voltaram a subir.

1. O que é lúpus? E por que é importante quando falamos de gravidez?

Imagina que o corpo humano é como uma cidade com seu próprio sistema de defesa – os “soldadinhos” do sistema imunológico. Agora, pensa que, de repente, esses soldados ficam confusos e começam a atacar a própria cidade, como se os cidadãos fossem inimigos.

Isso é, mais ou menos, o que acontece com o lúpus eritematoso sistêmico (LES). Ele é uma doença autoimune crônica – ou seja, o próprio sistema imunológico ataca tecidos saudáveis do corpo, como pele, articulações, rins, pulmões, cérebro e até o coração¹.

Agora imagina tudo isso acontecendo durante uma gravidez. 🤯 Complica bastante, né?

  🟣 Desafios maternos no lúpus durante a gestação 

Mulheres com lúpus eritematoso sistêmico (LES) têm maior risco de complicações graves na gestação, incluindo morte materna (risco até 20 vezes maior que em gestantes saudáveis, mas ainda menor do que fora da gravidez). Problemas como AVC, embolia pulmonar, trombose, infecções graves e sangramentos são muito mais frequentes nesse grupo.

Mesmo após controlar fatores como idade, o LES ainda se associa a maior risco de hipertensão pulmonar, insuficiência renal, trombofilias (especialmente SAF), sepse, anemia e necessidade de transfusão. Também há maior risco de pré-eclâmpsia e eclâmpsia, especialmente se houver lúpus ativo, nefrite, hipertensão crônica ou uso de altas doses de corticoide. 4, 5


⚠️ Não era só o lúpus. Era uma guerra entre o corpo e o bebê.

O sistema imune dela começava a atacar os próprios rins — uma nefrite lúpica em plena gestação.
E o bebê? Sentia. Cada inflamação era um alerta.

— “Vamos precisar internar”, disse o obstetra. “O bebê pode precisar nascer antes.”

Silêncio. Ela assentiu com os olhos. Já tinha ouvido isso antes. Mas torcia para não ouvir de novo.

2. O bebê pode nascer doente por causa do lúpus da mãe?

Depende. O lúpus em si não é hereditário diretamente, mas alguns anticorpos da mãe podem atravessar a placenta e afetar o bebê, como no caso do lúpus neonatal. Isso pode causar bloqueio cardíaco congênito ou manchas temporárias na pele².

🟣 Complicações fetais no lúpus durante a gestação

Mesmo com avanços no diagnóstico e tratamento do lúpus eritematoso sistêmico (LES), a gravidez ainda representa riscos importantes para o feto. Mulheres com LES apresentam maior chance de:

  • Perda fetal espontânea (abortamento) — até 4,8 vezes mais comum que na população geral;
  • Parto prematuro — risco até 6,8 vezes maior, com impacto direto no peso e vitalidade do bebê;
  • Síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAF) — fortemente associada a perdas gestacionais e complicações placentárias.

A presença de flaires ativos (principalmente renais ou hematológicos) durante a gestação aumenta ainda mais o risco para o feto. Por isso, recomenda-se planejar a gravidez em períodos de remissão da doença por pelo menos 6 meses. 6


😰 E se fosse igual da primeira vez?

Na primeira gravidez, ela quase perdeu o bebê na 32ª semana. Dessa vez estava mais estável… até agora.
O marido pegou a mão dela no corredor:
— “Lú, a gente vai passar por isso juntos.”

Ela apertou os olhos com força. Não queria chorar. Ainda não.


💉 A batalha foi silenciosa, mas cada detalhe importou

Corticoide ajustado 💊

Monitorização fetal diária 📈

Ultrassons a cada dois dias 📅

Conversas com a neonatologia 👩‍⚕️

Cada médico tinha uma opinião. Cada exame, uma esperança. E entre protocolos e palpites, Lúcia só queria uma coisa: que sua filha nascesse viva.


🌙 A madrugada do desfecho

Na madrugada da 34ª semana, as contrações começaram.
Foram rápidas. Fortes.
A equipe se mobilizou.

O bebê nasceu em 12 minutos. Prematura. Mas chorando.
Lúcia olhou pro teto, respirou fundo e sussurrou:
— “Dessa vez, a gente venceu.”


📘 O que aprendemos com ela

Nem sempre o corpo é aliado.
Doenças autoimunes como o lúpus exigem preparo, escuta e decisões rápidas.
Mas com equipe capacitada e controle adequado, é possível viver a maternidade com dignidade — mesmo no caos.


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📚 Glossário

  • Lúpus eritematoso sistêmico (LES): Doença autoimune em que o sistema imunológico ataca tecidos saudáveis.
  • Nefrite lúpica: Complicação renal do lúpus, que pode afetar a filtração dos rins.
  • Doppler fetal: Exame que avalia o fluxo de sangue entre a mãe, a placenta e o bebê.
  •  Morte materna: Quando a mulher grávida ou no pós-parto falece por causas relacionadas à gestação.
  • AVC (Acidente Vascular Cerebral): Interrupção do fluxo sanguíneo no cérebro, podendo causar paralisia ou morte.
  • Embolia pulmonar: Obstrução de uma artéria do pulmão por coágulo de sangue, geralmente vindo das pernas (trombose).
  • SAF (Síndrome do Anticorpo Antifosfolípide): Trombofilia autoimune associada ao lúpus, aumenta muito o risco de coágulos e perdas gestacionais.
  • Corticoides: Medicamentos que reduzem a inflamação, usados para controlar crises de lúpus. Em doses altas podem aumentar a pressão.
  • Pré-eclâmpsia: Complicação da gravidez com pressão alta e perda de proteína na urina. Pode ser grave.
  • Eclâmpsia: Forma grave da pré-eclâmpsia com convulsões. Pode ser fatal se não tratada.

🔗 Referências

  1. Systemic Lupus Erythematosus 
  2. Autoinmune-Associated Congenital Heart Block
  3. MANUAL DE GESTAÇÃO DE ALTO RISCO
  4. Management of systemic lupus erythematosus during pregnancy
  5. Hypertansion in pregnancy: diganosis and management
  6. Uptodate on Sistemic lupus erythematosus pregnancy
Equipe Oxytomed
https://oxytomed.com

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